domingo, 30 de novembro de 2008

Mitologia 25: As Genealogias de Argos (parte 3)

Na postagem anterior, eu dividi as genealogias de Argos em cinco etapas, e assim espero ter um base para prosseguir em minha análise.

  1. Primeira fase: Foroneu até Gelanor
  2. Segunda fase: Danaides até Abas
  3. Terceira fase: Acrísio até Perseu
  4. Quarta fase: Perseu até Héracles
  5. Quinta fase: Heráclidas

Se a invasão dória de 1 200 aC for mesmo vinculada à última fase, poderíamos arriscar em atribuir os mitos da terceira e quarta fases ao período micênico. Nestas fases, os eventos envolvem uma série de cidades vizinhas e de grande importância no período micênico, tais como Tirinto, Midéia, e a própria Micenas. É tentador considerar a primeira fase fundadora como um substrato pré-grego, já que é nela em que estão "ancorados" os vizinhos rústicos dos argivos citadinos, os árcades e os pelasgos, mas isto pode ser apenas uma possibilidade. A falta de dados torna o estudo muito nebuloso, e todas as afirmativas devem ser feitas com uma boa dose de interrogações.
Se os Heráclidas, que voltam do norte para invadir a Argólida representam uma versão épica da migração dória, como explicar sua vinculação com o herói supostamente autóctone Héracles? O fato de Héracles estar associado a Argos, Tirinto e também a Tebas, poderia ser uma pista para a suposta paternidade "argiva" do tebano Cadmo, conectado ao asiático Agenor e à cretense Europa. O período micênico marcou um momento de expansão marítima da Grécia, e foi aí quando os sacerdotes helênicos viram-se "obrigados" a explicar mitologicamente os povos estrangeiros. Isto é coerente com o cenário genealógico: A segunda fase da dinastia integra os egípcios, líbios, fenícios e mesopotâmios no contexto grego. Coincidentemente muitos destes mesmos povos estão agrupados em outra genealogia mítica, a do Gênesis Hebraico, onde líbios, egípcios, cretenses e cananeus aparecem como descendentes dos filhos de Kham.
Foi neste momento que os argivos "criaram" uma origem fenícia para o tebano Cadmo, e mais do que isso, uma origem argiva para estes fenícios. A ligação de Cadmo com os fenícios pode ter bases reais (Kadmos parece ser uma palavra de origem semítica, qdm, significando "primeiro", ou "oriental"). Os egípcios ganharam um epônimo helenizado, Aigyptos, e ficaram assim "subordinados" a uma assumida precedência helênica sobre eles. O processo de amálgama e de sincronia entre as diversas genealogias pode ter sido consolidado na fase pós-alexandrina, talvez em Alexandria. Sendo uma cidade egípcia fundade pelos gregos, talvez tenha sido a sede da "fábrica" de genealogias míticas mesclando diversas cidades e lugares. Neste caso, deveríamos descartar todos os elementos não-gregos como acréscimos posteriores.
Minha hipótese é que as Danaides na origem eram mulheres vindas "do mar", assim como as Amazonas, as Haliai, as Nereidas e as Bacantes; mais tarde o aspecto mítico foi "humanizado", e passaram a ser consideradas como mulheres do além-mar, ou seja do Egito. Sua chegada está vincula ao episódio de uma grande peste que assolou Argos após a morte de Lino, filho da princesa Psâmate ( Psammathê) (filha de Crotopo) e do deus Apolo, despedaçado por cães. Esta lenda está vinculada ao culto de Apolo Lício, o "Apolo-Lobo", que enviou um monstro lupino de nome Poine para assolar a cidade, em represália à morte do filho pelo avô Crotopo. A relação de inimizade entre avô e neto lembra a de Acrísio e Perseu. Seriam duas formas divergentes do mesmo mito? Seria o trio Crotopo-Psâmate-Lino análogo a Acrísio-Dânae-Perseu? Os argivos relembravam o triste fim de Lino com um ritual onde sacrificavam-se cães (isto lembra o episódio de Hermes matando Argos, que às vezes é descrito como um cão de guarda). Dânao torna-se rei de Argos após um prodígio divino, quando um lobo monstruoso devorou um touro. Os habitantes do lugar associaram Dânao ao símbolo do lobo, mas uma associação ao culto de Apolo Lício (Apollôn Lykios, Απολλων Λυκιος).
Continua mais tarde...

Nenhum comentário:

Postar um comentário