segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Evolução 1: o mistério dos micos e cutias navegantes


Para inaugurar os textos sobre o tema Evolução escolhi um mistério que até hoje continua intrigando os paleontólogos e zoólogos. Como os macacos e roedores chegaram na América do Sul?

Na época dos dinossauros todos os continentes estavam reunidos numa grande massa continental, Pangéia. Com o tempo, forças geológicas começaram a dividir as massas de terra, e este supercontinente partiu-se em dois blocos. O bloco meridional, batizado pelos cientistas de Gondwanalândia ou Gondwana, incluía a América do Sul, África, Antártida, Austrália, Madagascar e Índia. Ganhou seu nome justamente em homenagem à região indiana de Gondwana. Há cerca de 110 milhões de anos atrás, a África e a América do Sul começaram a separar-se (olhe num mapa e veja como seus contornos parecem encaixar-se), e progressivamente, todos os outros continentes e subcontinentes componentes deste grupo acabaram por separar-se e atingir o seu aspecto e posição atual.

Durante o Período Terciário quase inteiro, isto é, de 63 até uns três milhões de anos, a América do Sul estava isolada da América do Norte. Durante o início deste vasto período, ainda teve uma comunicação terrestre com a Antártida, mas que acabou por desfazer-se. Os mamíferos já estavam na América do Sul, e devido ao isolamento evoluíram de forma inteiramente independente do resto do mundo. Existiam marsupiais, que no passado foram muito mais numerosos e diversificados: existiram grandes formas carnívoras, pequenos herbívoros saltadores e até mesmo marsupiais arborícolas que lembravam vagamente os primatas. Quanto aos mamíferos placentários, alguns grupos eram de mamíferos de casco, enquanto outros eram os ainda existentes desdentados (Edentata), grupo que hoje compreende os tatus, tamanduás e preguiças, e que no passados atingiram tamanhos gigantescos, na forma dos gliptodontes (parecidos com tatus do tamanho de carros) e megatérios (preguiças grandes como elefantes).

Por volta de 40 milhões de anos atrás, no final do período Eoceno, apareceram na América do Sul dois grupos de “recém-chegados”: os macacos platirrinos e os roedores caviomorfos.

Explicando melhor, os macacos platirrinos (Platyrhini, do grego platys “chato” e rhis “nariz”) são o grupo de primatas que inclui todas espécies de macacos do continente americano: saguis, micos, bugios, macacos-aranha, e micos-leões, dentre outros. Os roedores caviomorfos (Caviomorpha, do nome científico da cobaia, Cavia, e do grego morphos “forma”) incluem diversas espécies de roedores originários do nosso continente (ainda que daqui muitos tenham migrado para a América do Norte): pacas, cutias, capivaras, ouriços-caixeiros, ratões-do-banhado, chinchilas, viscachas, porquinhos-da-índia (cobaias), preás, mocós, pacaranas, tuco-tucos, e muito mais.

A história evolucionária de ambos os grupos ainda não é bem conhecida, mas em curiosamente todos os indícios parecem indicar para uma origem africana. Os fósseis mais antigos de caviomorfos e platirrinos são conhecidos de sítios paleontológicos ainda relativamente pouco explorados, na Bolívia, Peru, Argentina e Chile, e ainda há muito a se descobrir. Mas estes mamíferos sul-americanos do Oligoceno são incrivelmente semelhantes a roedores e primatas que viviam na mesma época do outro lado do Atlântico, no norte da África, onde acham-se muitos fósseis de macacos e roedores primitivos. Os platirrinos seriam descendentes dos catarrinos (Catarhini, do grego kata ”para baixo”, e rhis “nariz”), o grupo ao qual pertencem todos os macacos do Velho Mundo, incluindo nós, humanos arrogantes, enquanto que os caviomorfos ligam-se aos histricomorfos (Hystrichomorpha, do grego Hysthrix “porco-espinho”, e do grego morphos “forma”), grupo ao qual pertence o porco-espinho.

O grande mistério que ronda estes grupos resume-se à intrigante pergunta: COMO ESTES ANIMAIS ATRAVESSARAM O ATLÃNTICO?

O oceano naquela época era relativamente mais estreito, pois África e América do Sul ainda não ocupavam suas posições atuais (lembrem que elas tinham começado a se separar durante o Cretáceo). Normalmente a teoria mais aceita é que estes animais migraram como se fossem “saltadores-de-ilhas”, ou seja, acidentalmente teriam sido transportados por correntes oceânicas em troncos de árvores ou vegetação flutuante. Talvez uma forte tempestade tivesse derrubado uma árvore no mar, e assim um casal, ou até mesmo uma fêmea grávida tenha sido arrastada como um náufrago. Ou então, no meio do oceano existiriam arquipélagos no meio do caminho, o que teria facilitado a busca, como um ponto intermediário na longa viagem. Será que estas ilhas seriam uma espécie de “Atlântida” pré-histórica? Ou será que os animais foram transportados de alguma outra forma? Podemos até pensar humoristicamente num disco-voador pousando na África há quarenta milhões de anos atrás, e um grupo de alienígenas capturando um grupo de macaquinhos e pequenos roedores. Depois, eles decolam e vão até a América do Sul, onde acabam esquecendo os animaizinhos...

O fato é que o mistério ainda perdura. Vamos torcer para que novas descobertas lancem luz sobre o problema e forneçam novas pistas para a resolução deste mistério.

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