A partir da próxima sexta-feira, o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ganha um novo e ilustre morador. Descoberto por acaso, há cerca de cinco anos, durante trabalho de campo realizado na região de Mina Poty, em Pernambuco, o Guarinisuchus munizi, nova espécie de crocodiliforme marinho que viveu na Terra há 62 milhões de anos, passa a integrar o rico acervo da instituição. Com mandíbula, crânio e vértebras, o fóssil do crocodilo pré-histórico de cerca de três metros de comprimento é o mais completo exemplar do grupo Dyrosauridae - que viveu durante o Paleoceno e resistiu ao fenômeno que extinguiu os grandes dinossauros do planeta - já descoberto na América do Sul. Além de fragmentos originais do fóssil, os visitantes do museu também poderão apreciar uma réplica do seu crânio e uma reconstituição (um modelo em tamanho natural) do animal em vida.
De focinho bastante alongado, dentes compridos e cauda espalmada, totalmente adaptada para a vida livre no mar, o Guarinisuchus munizi foi identificado graças a uma parceria entre o Setor de Paleovertebrados do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Universidade Estadual Vale do Acaraú, no Ceará (UVA). Em conjunto, pesquisadores desses três centros analisaram o material coletado nas rochas da Formação "Maria Farinha", na Bacia Costeira da Paraíba (formação sedimentar que se estende até Pernambuco), e traçaram comparações com exemplares semelhantes, previamente encontrados na África e na América do Norte. Tais correlações permitiram que os pesquisadores elaborassem uma nova teoria sobre as rotas de dispersão deste grupo de animais.
" Partindo do continente africano, o grupo foi ocupando áreas da América do Sul (mais precisamente no nordeste do Brasil) e, posteriormente, regiões da América do Norte "
- O estudo sugere que a origem dos dirossaurídeos se deu na África - contou, por telefone, com exclusividade para o GLOBO ONLINE, o paleontólogo José Antonio Barbosa, pesquisador visitante do Departamento de Geologia da UFPE, que foi quem achou, em 2003, os primeiros fragmentos de dentes e ossos da nova espécie. - Partindo do continente africano, o grupo foi ocupando áreas da América do Sul (mais precisamente no nordeste do Brasil) e, posteriormente, regiões da América do Norte - acrescentou ele, lembrando que, há 65 milhões de anos, quando a migração transoceânica do grupo teria se dado, a distância entre os dois continentes era muito menor do que hoje em dia.
Segundo Maria Somália Sales Viana, pesquisadora da UVA e que também assina o estudo, o estabelecimento de parentescos entre a espécie descoberta no Brasil e outras mais primitivas, achadas na África, e mais derivadas, identificadas na América do Norte, possibilitou que se traçasse a nova teoria sobre a evolução deste grupo no planeta.
Deslocamento aconteceu pouco após a extinção dos grandes dinossauros
De acordo com a idade estimada dos fósseis, os pesquisadores acreditam que o deslocamento do grupo aconteceu pouco após a extinção dos grandes dinossauros - e, muito possivelmente, favorecido por ela. Para Alexander Kellner, paleontólogo do Museu Nacional, a migração transatlântica dos crocodiliformes marinhos teria tido como forte motivação o desaparecimento de um grupo de lagartos marinhos, chamados de mosassauros, que dominavam estes mesmos mares durante o Período Cretáceo.
- Os dirossaurídeos, que existiam de forma marginal durante o Cretáceo, expandiram-se muito rápido durante o Paloceno, com a extinção desses grandes répteis - explicou ele. - Sem concorrência, os crocodiliformes marinhos se tornaram os maiores predadores dos mares neste Período.
Mas o reinado do grupo durou pouco. Os dirossaurídeos foram extintos logo depois.
" Sem concorrência, os crocodiliformes marinhos se tornaram os maiores predadores dos mares "
- Eles foram completamente extintos por volta de 62 milhões e 50 milhões de anos, muito possivelmente em função da pressão exercida por uma outra espécie para ocupar aquele ambiente e aquela posição na cadeia alimentar - arriscou Barbosa, citando como prováveis algozes os tubarões. - Mas não há um consenso sobre isso.
A pesquisa, que foi financiada pela Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do RJ) e pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), foi publicada em recente artigo da Proceedings of the Royal Society.
Para Maria Somália, além da importância científica indiscutível, a descoberta presta ainda uma justa homenagem a um pesquisador atualmente aposentado que, na ativa, deu uma grande contribuição para a paleontologia brasileira.
- Guarini vem do Tupi e significa guerreiro. Já a denominação da espécie, munizi, é uma homenagem a Geraldo da Costa Barro Muniz, paleontólogo de grande destaque no cenário nacional - explicou.
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