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domingo, 30 de novembro de 2008

Mitologia 26: As Genealogias de Argos (parte 4)


Na postagem anterior, comecei a discorrer sobre possíveis explicações para a presença de egípcios e fenícios entrelaçados às genealogias de Argos.
Em dado momento de sua história, os argivos sentiram-se compelidos a explicar o mundo à sua volta ajustando-os a seu mitos autóctones. O episódio de Io transformada em vaca por Hera, lembra o mito indiano de Sâmdhya (em algumas versões, Parvati, a esposa de Shiva) deusa do crepúsculo, que foi perseguida pelo próprio pai (conforme a versão, Brahma ou Prajapati), e fugiu na forma de uma corça. O deus lascivo tomou a forma de um cervo, mas acabou decapitado por Rudra-Shiva. Pode haver uma remota origem indo-européia neste mito, mas podem haver elementos autóctones envolvidos. O filho desta união, Épafo, não tem nenhuma função a não ser a de iniciar uma dinastia egipcia. Sua filha Libya, é apenas um epônimo "vazio" para a Líbia, talvez representando as colônias gregas naquela região. É amada por Possídon e gera um casal de gêmeos, Agenor e Belo, um tema recorrente na dinastia, já que no início dela Níobe já havia gerado de Zeus os irmãos Pelasgo e Argo; e posteriormente teremos os gêmeos rivais Dânao e Egito, e seus descendentes Acrísio e Preto. Héracles e Íficles também formam outro par de gêmeos, embora sem a inimizade uterina. Temos assim a duplicação de um tema básico, o de gêmeos rivais, ascendentes de povos afins. Alguns tentam explicar o nome Agênôr, na interpretação grega, "herói (ânôr) que conduz (agein)", como a forma helenizada de uma palavra pré-grega, talvez cognato de Kana'an (Canaã), que usualmente se deriva da raiz semítica KN` "tintura vermelha". Outra possibilidade seria relacioná-lo a ôgênos, forma dialetal de ôkeanos, "oceano". Teríamos uma forma pré-helênica *augayana-, presente também em Augeias, Ôgygos e Aigina? Não passam de palpites. Agenor também aparece na primeira fase da dinastia argiva, como um bisneto ou neto do Argo original, o que indica que o nome já possuía um significado próprio para os argivos. Talvez o Ôgygos tebano (pai de Cadmo) fosse uma variação local do mesmo Agenor cretense (pai de Europa) e do Agenor argivo (que divide a soberania do lugar com seus irmãos Pelasgo e Íaso).
Este Agenor "primitivo" herdou a cavalaria de Argos, e com ela desalojou os irmãos Íaso, senhor do Oeste, e Pelasgo, fundador de Larissa. Era filho de Tríopas e Sósis (segundo Pausânias) , ou de Écbaso (segundo Apolodoro). A versão pausaniana nomeia os filhos de Argo como dois, de nomes Píraso (ou Píren, ou Piras) e Forbas, que gera Tríopas e Messene, com Tríopas gerando quatro filhos. A versão apolodórica faz de Argo pai de quatro filhos: Écbaso, Piras, Epidauro e Críaso, sendo este o pai de Forbas. Temos assim personagens semelhantes mais arranjados de forma diferente. Como desatar este nó?
Agenor também é o nome de um personagem árcade, filho do rei Fegeu, irmão de Foroneu. Esta filiação possui complicações cronológicas, já que ele é contemporâneo de Orestes, um personagem muito posterior a Foroneu.

Mitologia 25: As Genealogias de Argos (parte 3)

Na postagem anterior, eu dividi as genealogias de Argos em cinco etapas, e assim espero ter um base para prosseguir em minha análise.

  1. Primeira fase: Foroneu até Gelanor
  2. Segunda fase: Danaides até Abas
  3. Terceira fase: Acrísio até Perseu
  4. Quarta fase: Perseu até Héracles
  5. Quinta fase: Heráclidas

Se a invasão dória de 1 200 aC for mesmo vinculada à última fase, poderíamos arriscar em atribuir os mitos da terceira e quarta fases ao período micênico. Nestas fases, os eventos envolvem uma série de cidades vizinhas e de grande importância no período micênico, tais como Tirinto, Midéia, e a própria Micenas. É tentador considerar a primeira fase fundadora como um substrato pré-grego, já que é nela em que estão "ancorados" os vizinhos rústicos dos argivos citadinos, os árcades e os pelasgos, mas isto pode ser apenas uma possibilidade. A falta de dados torna o estudo muito nebuloso, e todas as afirmativas devem ser feitas com uma boa dose de interrogações.
Se os Heráclidas, que voltam do norte para invadir a Argólida representam uma versão épica da migração dória, como explicar sua vinculação com o herói supostamente autóctone Héracles? O fato de Héracles estar associado a Argos, Tirinto e também a Tebas, poderia ser uma pista para a suposta paternidade "argiva" do tebano Cadmo, conectado ao asiático Agenor e à cretense Europa. O período micênico marcou um momento de expansão marítima da Grécia, e foi aí quando os sacerdotes helênicos viram-se "obrigados" a explicar mitologicamente os povos estrangeiros. Isto é coerente com o cenário genealógico: A segunda fase da dinastia integra os egípcios, líbios, fenícios e mesopotâmios no contexto grego. Coincidentemente muitos destes mesmos povos estão agrupados em outra genealogia mítica, a do Gênesis Hebraico, onde líbios, egípcios, cretenses e cananeus aparecem como descendentes dos filhos de Kham.
Foi neste momento que os argivos "criaram" uma origem fenícia para o tebano Cadmo, e mais do que isso, uma origem argiva para estes fenícios. A ligação de Cadmo com os fenícios pode ter bases reais (Kadmos parece ser uma palavra de origem semítica, qdm, significando "primeiro", ou "oriental"). Os egípcios ganharam um epônimo helenizado, Aigyptos, e ficaram assim "subordinados" a uma assumida precedência helênica sobre eles. O processo de amálgama e de sincronia entre as diversas genealogias pode ter sido consolidado na fase pós-alexandrina, talvez em Alexandria. Sendo uma cidade egípcia fundade pelos gregos, talvez tenha sido a sede da "fábrica" de genealogias míticas mesclando diversas cidades e lugares. Neste caso, deveríamos descartar todos os elementos não-gregos como acréscimos posteriores.
Minha hipótese é que as Danaides na origem eram mulheres vindas "do mar", assim como as Amazonas, as Haliai, as Nereidas e as Bacantes; mais tarde o aspecto mítico foi "humanizado", e passaram a ser consideradas como mulheres do além-mar, ou seja do Egito. Sua chegada está vincula ao episódio de uma grande peste que assolou Argos após a morte de Lino, filho da princesa Psâmate ( Psammathê) (filha de Crotopo) e do deus Apolo, despedaçado por cães. Esta lenda está vinculada ao culto de Apolo Lício, o "Apolo-Lobo", que enviou um monstro lupino de nome Poine para assolar a cidade, em represália à morte do filho pelo avô Crotopo. A relação de inimizade entre avô e neto lembra a de Acrísio e Perseu. Seriam duas formas divergentes do mesmo mito? Seria o trio Crotopo-Psâmate-Lino análogo a Acrísio-Dânae-Perseu? Os argivos relembravam o triste fim de Lino com um ritual onde sacrificavam-se cães (isto lembra o episódio de Hermes matando Argos, que às vezes é descrito como um cão de guarda). Dânao torna-se rei de Argos após um prodígio divino, quando um lobo monstruoso devorou um touro. Os habitantes do lugar associaram Dânao ao símbolo do lobo, mas uma associação ao culto de Apolo Lício (Apollôn Lykios, Απολλων Λυκιος).
Continua mais tarde...